Rio de Janeiro, Domingo, 15 de Agosto de 2004.

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:: Meio Ambiente

A transformação do lixo em arte


A partir da fabricação de produtos sustentáveis que não geram resíduos - pelo contrário, têm em materiais que poderiam ser considerados lixo um diferencial de matéria-prima - pequenas empresas brasileiras estão conseguindo abrir caminho no mercado internacional. Exemplos desse novo segmento são os artefatos de fibra de coco verde que saem de uma pequena fábrica no subúrbio do Rio e das velas, com ação repelente de andiroba, produzidas na Região Serrana do Estado. Na Região Norte, comunidades de pescadores estão sendo preparadas pelo Projeto Focos, do WWF-Brasil, para agregar valor ao pescado tirado de rios locais e transformando pele, escamas e ossos de peixes em peças artesanais, que estão atraindo a atenção de turistas estrangeiros.

Das mãos de 60 funcionários recrutados na periferia de Jardim América pelo Projeto Coco Verde do Rio de Janeiro, o equivalente a 20 toneladas diárias de coco verde, que deixam de ser jogadas no lixo, se transformam em vasos, placas para painéis, divisórias, biombos, além de outras utilidades ditadas, principalmente, pela imaginação de paisagistas e decoradores. Essas peças de fibra natural já caíram no gosto de consumidores da Argentina, Coréia, Espanha e Portugal, para onde são vendidos 60% da produção.

O gerente de Projetos e Negócios da Coco Verde, Philippe Mayer, contou que tudo começou com a busca de solução para o resíduo pós-consumo da água de coco verde no Rio, mercado onde a empresa chegou a se posicionar como a maior distribuidora, até ser ultrapassada pelo inchaço desse segmento.

difíceis passos da inovação tecnológica Na reciclagem

Do desenvolvimento de um equipamento desintegrador das cascas de coco verde, há cinco anos, até atingir o patamar atual de reciclagem, Mayer ressaltou que foram enfrentadas muitas dificuldades. A empresa que ele chama de laboratório quase fechou as portas. Não chegou a sucumbir, porque, depois de muitos testes e pesquisas, conseguiu desenvolver um produto com know-how, que o gerente afirmou ser único no mundo, para o aproveitamento da fibra como matéria-prima em diferentes aplicações. A patente foi registrada, há pouco mais de dois anos, e a partir de então o projeto vem ganhando repercussão internacional.

Atualmente, os principais compradores atuam no ramo de paisagismo. Depois de se aproximar dos negócios de decoração, a idéia é deslanchar gradativamente a produção para ampliar a penetração nos segmentos de mobiliário e, principalmente, placas acústicas.

A empresa tem buscado parcerias e está disposta a atuar com cooperativas da capital e de cidades do interior fluminense, entrando com a tecnologia para aproveitamento da fibra e garantindo a compra total da matéria-prima. O gerente contou que não consegue captar os resíduos gerados no Rio, embora pelo conhecimento do mercado, estime que o consumo local de coco verde seja de 400 toneladas diárias. Por causa disso, tem que buscar fibra em Estados do Nordeste.

O gerente ressaltou que além da geração de empregos e da redução da produção de lixo urbano, outra característica positiva das peças de fibra de coco verde que saem dos galpões da empresa é de substituir naturalmente o uso vasos, placas e outros produtos de xaxim, feitos de material retirado do tronco de uma planta da Mata Atlântica conhecida por samambaiaçu, cujo aproveitamento como matéria-prima é proibido por lei porque essa é uma espécie ameaçada de extinção.

A empresa Natu Science, atualmente instalada em Itaipava, Região Serrana, começou, há cinco anos, a fabricação de velas de andiroba, extraída de forma sustentável por 300 integrantes de cooperativas de comunidades indígenas da Amazônia. O trabalho conta com a parceria da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), já que a planta tem ação repelente comprovada contra o mosquito transmissor da dengue e outros insetos.

da planta andiroba, resíduos
são totalmente aproveitados

A diretora de Marketing do empreendimento, Regina de Castro, destacou que da produção nada se perde, porque a empresa tem um projeto chamado Resíduo Zero, que busca alternativa para qualquer sobra. Do equivalente a 100 mil velas são gerados resíduos que se transformam em 22 mil tochas de andiroba. Por sua vez, tudo que não é aproveitado nesse segmento segue para a linha de produção de toquinhos, usados como acendedores naturais de lareiras, ao quais são acrescentadas folhas de alecrim e outras ervas aromáticas.

Esses produtos são exportados, há dois anos, para a França, onde a rede de 150 lojas de produtos sustentáveis do grupo Natureetdecouverts faz as revendas. A partir deste mês, a empresa começará as vendas externas de cosméticos de andiroba para países da Escandinávia. Nos mercados interno e externo, será lançada uma linha de nove itens incluindo shampoo, sabonete, hidratante e outros derivados, que estão sendo fabricados em parceria com um laboratório de Minas Gerais. Somando as duas iniciativas são gerados 40 empregos diretos.

Regina informou que já está em curso um projeto para a produção de papel artesanal, a partir dos resíduos da produção de cosméticos por comunidades locais.

Nos próximos três anos, o WWF-Brasil estará desenvolvendo, junto a comunidades de pescadores de Corumbá, Coxim e Miranda, em Mato Grosso do Sul, o Projeto Fortalecimento Comunitário Sustentável (Focos), que visa à capacitação de moradores para a melhoria da renda e qualidade de vida, a partir do uso sustentável da atividade pesqueira, da qual nem o couro, os ossos e as escamas dos peixes são jogados fora. Esses materiais já estão sendo transformados em mantas, bijuterias e outros objetos, que estão encantando os turistas estrangeiros.

O coordenador do projeto Focos, Eduardo Mongelli, informou que, a partir do objetivo de agregar valor à atividade pesqueira, as comunidades que já foram estimuladas a se organizar em associções, serão alfabetizadas e capacitadas a gerir seus próprios negócios. Parceiros, como a Universidade Católica de Campo Grande, vão ajudar a impulsionar as atividades desses grupos. A instiuição já encomendou capas de couro de peixes para cobrir as agendas que serão distribuídas no final deste ano.

Além de encomendas de outros segmentos, os envolvidos no projeto estão otimistas com uma pesquisa sobre o aproveitamento de corantes naturais para o curtimento do couro dos peixes pelas comunidades. A proposta é da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul com parceiros, como o Ibama, a Embrapa e outras instituições.

- Estamos satisfeitos com o resultado das atividades iniciais e com o nível de participação das comunidades. Elas já reconhecem o potencial que têm - observa Mongelli.

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